30 junho 2008

As mãos africanas de Pilatos (7) (continua)

Prossigo a série.
Por mais que me custe, como cidadão, escrever o que vou escrever, escrevo que, do ponto de vista político, o regime de Mugabe nada tem de irracional, não é produto da barbárie. É apenas intensamente....político. E é tão mais político quão mais hostilizado é. O problema consiste em encontrar a lógica que permeia o sistema, a chave que permite a sua inteligibilidade.
Por exemplo, o recurso permanente, a todos os níveis, na imprensa e nos comícios, aos sacrifícios da luta de libertação nacional - garante de legitimidade - aparece como a caução irrevogável de actos que não podem ser moralmente nem criticados nem criminalizados na óptica zanuísta. A tese do regime é a de que quem passou sacrifícios tem o direito de governar como bem lhe apetece, tem o direito de recusar quem não veio do Olimpo da guerrilha, quem, do Ocidente, tem o descaro de querer impor regras. De resto, é em nome do Povo e para o povo que o regime afirma governar.
Sim, claro, o regime da ZANU tem inimigos. Quando Mugabe e seus generais apontam sistematicamente o dedo ao imperialismo anglo-americano, tem parcialmente razão. Este imperialismo é real, pertence à geo-estratégia política, é intrusivo, é mandão, é destrutivo, é canibal, foi em parte devido às políticas e às pressões das instituições financeiras internacionais que surgiu "o fenómeno de pobreza extrema nas cidades, do crescimento desmesurado de bairros da lata nas zonas péri-urbanas das cidades assim como da economia informal." Mas a situação agravou-se muito "quando Robert Mugabe autorizou pagamentos não orçamentados aos "veteranos de guerra" em Novembro de 1997 na ordem dos 5 biliões de dólares Zimbabueanos e autorizou o envio de tropas para a RDC em meados de 1998."
Radicalizada pela crítica internacional sistemática, embarcada numa economia que designa de socialista, a elite da ZANU é inteligente, politicamente hábil: dispara contra o imperialismo e contra os brancos – portanto para os feiticeiros externos - no preciso momento em que tudo faz para ocultar os processos ínvios de acumulação de capital, o enriquecimento, a exploração interna, as alianças com outros imperialismos menos críticos ou absolutamente não críticos da gestão das sociedades (caso do imperialismo chinês), no preciso momento em que opera numa retórica populista e que busca apoio popular usando a luta armada, a raça, o sangue (raça e sangue fazem regra geral parte do alfobre fascista) e a imputação de natureza estrangeira ao MDC e de Tsvangirai, justamente para se proteger dessa nova frente elitária, sucessora da eliminada elite de Joshua Nkomo (os recursos minerais e as florestas, entre outras riquezas naturais, dão para muita coisa. E para muita disputa política).
Está bem, está bem: mas onde estamos agora no tocante às mãos africanas de Pilatos? E que atitude vamos agora tomar perante um regime rapidamente re-instituído desde ontem?

2 comentários:

aminhavozz disse...

prof. ainda a proposito do headline do Herald...eles escolheram; 'its a landslide!" traduzido daria qualquer coisa como: Vitoria esmagadora! Sem comentarios...

Carlos Serra disse...

Isso, Zenaida...Obrigado!